terça-feira, 29 de maio de 2012

Bom dia

Coimbra, 20 de julho (Dia do amigo)
Bom dia, Jonas

Escrevo-te esta singela epístola para contar que encontrei em meu baú algo que talvez você nem se lembre. Eram três garrafinhas, simples, como aquelas de geleia, que comíamos quando eramos crianças, lembra? Me emocionei ao ver o conteúdo. Sabe, querido amigo, lá dentro encontrei engarrafada uma de nossas aventuras, mais especificamente aquela na qual escalamos o muro de seu vizinho e fingimos que éramos detetives em busca de pistas. Na segunda, engarrafei nosso primeiro beijo, inocente, infantil, apenas por acharmos que havíamos crescido, quando na verdade, amigo, estávamos ainda na aurora da mocidade. Na terceira, não pude conter lágrimas e as verti incessantemente. Pois, saiba, saudoso amigo, que engarrafei também o nosso momento de despedida, para nunca me permitir esquecer que um dia você me prometeu voltar.

Carinhosamente,
Amelie

P.S.: Anexei foto das garrafinhas. Espero que elas mexam contigo tanto quanto mexeram comigo.


segunda-feira, 28 de maio de 2012

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Mundinho, Mundão

-510 072 000 km² de superfície terrestre, 6 803 000 000 habitantes, 396 países...Em algum lugar existe amor, né? O mundo assim tão vasto...
-Pra existir amor não se calcula vastidão de espaço, se calcula vastidão de sentimentos, criança. O que realmente conta, no fim, é o espaço que se tem no coração.
-Mesmo assim, há esperanças?


O velho tragou mais uma vez o cachimbo e soprou para longe a fumaça espessa, cobrindo o ar ao redor. O menino o olhava curioso, com um atlas geográfico na mão. Ele queria uma resposta.  E o velho sabia, sem querer dizer, que não havia resposta alguma.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

- E daí?, eu perguntei.

- E daí que ninguém mais notou que fizemos de veneno, remédio. Tomamos uma dose a cada dia para, ironicamente, nos sentirmos melhores. Eu só espero que um dia ... Ah, a quem estou enganando, eu já não espero mais nada.


Magia

Havia uma pequena elevação no terreno à minha frente. Estávamos nós duas apenas, eu ainda na margem da floresta, ela em campo aberto, de cima daquela pequena colina, olhando para o longe. Seus cabelos longos balançavam ao vento, e mesmo que eu não entendesse aquela atitude de promiscuidade, eu não conseguia deixar de me sentir maravilhada. Fui até perto dela, buscando compreender por ela o que acontecia. O vento lá em cima realmente era forte, mas não fazia frio algum.
- Ficou maluca? O que você está tentando provar, vindo até aqui, nua?
Ela limitou-se a olhar para mim com uma expressão que parecia pena, ou compaixão. 
- Anda, responde! Foi por isso que me deixou só na barraca? Para vir aqui dar algum espetáculo?
- Meu amor, não tem mais ninguém aqui por perto!
- Quem garante?
- A natureza. Não sente minha querida, o vento nos chamando?
- O vento apenas sopra, amor, ele não fala.
- Nós também apenas sopramos, mas conseguimos entender o sopro de cada um perfeitamente.
- É porque produzimos SONS! - Estava cansada daquela discussão maluca, que particularmente achava que não levaria a nada. Coloquei à mão sobre a testa e o pescoço dela, para certificar-me de que não possuía febre e delirava. 
- Então você não consegue ouvir? Não consegue sentir a terra também chamando?
- O que é isso, ainda está bêbada? 
- Ouça, até as árvores estão falando. Elas riem de você! - E começou a rir abertamente. Apesar de preocupada pela saúde mental dela, não pude deixar de sorrir ao vê-la feliz.
- Anda, veste alguma coisa antes que se resfrie. Chega de brincar de ouvir árvores e ventos e seja lá o que mais for. Só falta me dizer que também tem visto fadas?
- Na verdade, eu encontrei uma colônia inteirinha delas! Tinha até alguns duendes, também!
Olhei para ela incrédula. Havia uma naturalidade na forma como ela pronunciava cada palavra que me deixava pasma. Ela estaria tendo algum colapso? Como se lesse meus pensamentos, ela me abraçou e me beijou. E me olhou profundamente, novamente com aquela expressão de ... ah, piedade?
- Você sabe que eu te amo, né? Independente de qualquer coisa? Eu só queria que às vezes você parasse de espantar a magia.
-Magia? É disso que essa cena se trata? Você aqui, nua, no meio de um campo aberto para me falar de magia?
- Eu estou aqui nua porque não há outro motivo para não estar. A natureza me deu estas roupas com as quais me vê, e não entendo porque deveria usar alguma outra quando me apresento à ela.
- Porque você é minha namorada e essa tal de natureza vai ter problemas se não parar de querer te ver nua.
Pelo menos agora ela ria. Levei a de volta aonde estávamos acampadas e a convenci a se vestir. Depois, falei que ia encher os cantis no riacho ali perto. Antes de poder sair, ela jogou em mim um feitiço através de palavras, um feitiço que já foi repetido milhares de vezes por milhares de pessoas. Era algo mais ou menos assim:
- Quando você me viu ali em cima, não sentiu nada de diferente?
- Além de ciúmes e preocupação com você pegar um resfriado?
- Você sabe do que estou falando.
Eu realmente sabia. Eu senti meu corpo todo se arrepiar, ela ali em cima, majestosa como uma rainha, não, mais, ela realmente me lembrava ... uma Deusa.
- Olha, deixa eu ir logo.
- Sabe, você acredita em magia e não sabe. 
- O que quer dizer?
- Quando você olha nos meus olhos, quando você me abraça, quando você me toca, o que sente?
Aí estava. O feitiço fora pronunciado. Ela pegou justamente onde eu me recusava olhar: No âmago das minhas emoções, no núcleo de tudo que sou. Eu não havia mais escolha que não me render à verdade:
- Magia. - Eu falei, sorrindo de leve. Pronunciar aquilo fez eu me sentir tão mais leve, como se eu finalmente estivesse sendo verdadeira comigo novamente. O peso de alguma mentira antiga fora magicamente removido por ela. "Magicamente", repeti mentalmente, "Já começo até a pensar como ela".
E quando cheguei ao riacho e vi meu reflexo, notei-me tão majestosa quanto minha amante. "Também sou Deusa!", pensei. E me senti tão feliz naquele momento ...
 Tomei o caminho de volta, mais alegre. E no andar, comecei a ouvir uma música diferente, vindo de algo que poderia ser o vento?, me interroguei. Depois risadas vindo das árvores, e apertei o passo. Na barraca, ela me esperava vestida.
- Vem comigo, querida. Não precisa da roupa dos homens, vem só com a que a natureza nos deu. Eu também ouvi a terra chamando.
E fomos juntas, vestidas de natureza, acompanhadas de perto por duendes e fadas, e por risos e canções.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

4

O vento ululava, profecias assustadoras
Promessas de um futuro irrisório
Quem nunca prometeu dobrar o tempo
Foi quem nunca soube o que era amar.

Mar

Eu vi o mar
Ele ia até tão longe...
Vasto, profundo
Tão azul, Tão salgado
Cheio de mistério que só mulher!
E vinha pra cá, molhava a Sinhá
E ia pra lá, arrastava a Sinhá.
Ô, seu mar, vê se me trás
Do lado de lá
Um amor mansinho
Bem cheio de carinho
Onde eu possa me afogar

Caixa - Capítulo 4

Gente, eu sei que me pediram pra eu postar outras coisas além do conto "Caixa", mas eu postarei assim que possível. É que é meio que um projeto meu no qual eu realmente estou focado, mas logo retorno às postagens -curtas- habituais. Obrigado a todos que estão gostando da história, e agora disponibilizo o quarto capítulo. Obrigado, pessoal.


4 - Caixa

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Caixa - Capítulo 3

Bom, se alguém tá gostando ou não, se tem alguma crítica ou sugestão, por favor, COMENTEM! Ah, disponibilizei uma versão online, pra quem teve dificuldade de baixar pelo 4Shared. :D

Capítulo 3 - Caixa

sábado, 5 de maio de 2012

E


E sabiam amar a si próprios.Precisavam apenas de comida e água para sobreviver, e um amor para aguentar o peso que a vida trouxesse. E já se mendigou comida.
E não sabem amar a si próprios. Não precisam de amor, desprezam-no. Não precisam de comida, desperdiçam-na. Não precisam de água, poluem-na. E agora se mendiga atenção.
E ninguém parou e disse "Não quero sua falsa atenção!"
E então perdeu-se o amor próprio. E então perdeu-se o sorriso sincero. E então perdeu-se. E nada ganhou em troca, senão a frase "É a vida.".
E ninguém parou pra dizer "Não há mais vida.".

[Danilo C. Lopes]

terça-feira, 1 de maio de 2012

Lençóis

Lembro-me pouco dos últimos dias de vida de meu avô, apesar de que eu já era uma moça quando tudo aconteceu. Ainda mais curioso, eu fui uma das netas que cuidou dele até a hora de deixar este mundo. Coisa curiosa, como eu que deveria me lembrar tão bem, lembro apenas vagamente: do hospital, de como estava fraco, das enfermeiras tão dedicadas que vinham sempre ao seu quarto. Meu avô, com 65 anos, sofria de um grave problema cardíaco, uma condição rara, em que o músculo cardíaco se afrouxava e perdia a força necessária para bombear o sangue por todo o corpo. A primeira vez que notamos algo foi na compra dos preparativos para o natal. Era uma tradição de família de longa data reunir, toda a família para uma opulenta ceia na fazenda de meu avô, de nome Serafim. Dois dias antes da comemoração, vovô, Tio Cosme e eu fomos comprar o que faltava para a festa. Distante uns 30 km da cidade, saímos da fazenda para as compras de manhã, com intenção de voltar ao cair da tarde. Perto do pico do sol chegávamos ao Supermercado Frei Damião, o maior da cidade. Ao terminar as compras e levá-las à caminhonete de Seu Serafim, o próprio resolveu levar mais do que realmente podia, graças a uma brincadeira do meu tio de desafiá-lo. Num minuto, lá ia ele todo orgulhoso carregando compras e mais compras e no outro, ele tombava. Desmaiou de maneira tão abruta que achávamos que tinha escorregado. Logo depois, o barulho das sirenes de ambulância, o cheiro de éter do hospital e o cruel diagnóstico.
 A festa de Natal foi abandonada, mas se tornou festa de ano novo e de alta de Seu Serafim. Comemorávamos duplamente, e ele se emburrava por ter de seguir uma “dieta inútil”.
Um ano e oito meses após, o meu celular toca. “Aline, precisamos de você aqui. Seu avô passou mal novamente. Você pode acompanhá-lo?”. Vô Serafim praticamente havia me criado. Claro que eu o acompanharia. Peguei o primeiro avião que pude e assim que aterrissei na cidade vizinha à dos meus avós, Tia Vera me esperava com seu carro. Rapidamente nos dirigíamos ao hospital. Muita gente, muita conversa, risadas e meu avô, que apesar do ataque da noite passada estava bem. Aparência de bem. Cuidei dele com a dedicação que pude, às custas de noites de sono e de um período da faculdade. Mas Seu Serafim piorou numa noite chuvosa. UTI. Aquele odor de produtos de limpeza e de hospital com café expresso de uma máquina próxima. Logo depois eu entrei. Mas aí já nada me recordo. Nem do rosto do meu avô nem de nada. Lembro-me da notícia que ouvi dias depois. “Seu avô veio a óbito ne...”. Não entendia mais nada. Não queria entender mais nada. Quando se une “óbito” com alguém que sempre esteve em sua vida numa única frase, as palavras logo começam a perder sentido. E depois todo o resto, tudo se esvai num borrão aquoso. E choveu. Choveu muito, tanto lá fora, quanto dentro de mim. Choveu tanto que começou a escorrer pelos meus olhos.
Assim que consegui me recuperar, me dei conta que outras pessoas já haviam providenciado tudo o que cabia quando alguém morria. Tanto papel pra assinar e nenhum que garanta que aquele que se ama vai voltar, nos abraçar e dizer que tudo não passou de um pesadelo. Nunca conheci meu pai. Minha mãe fugiu de casa e me deixou com meus avós. Então meu pai sempre foi Seu Serafim, minha mãe sempre foi Dona Augusta, que mesmo agora estava ao meu lado. E meu pai, e avô, não estava mais comigo, já estava encantando outras pessoas em lugares que o8 s vivos não ousavam invadir. O velório teve café, teve choro, e todo o mundo estava de uma estranha cor cinza. Uma cor cinza, um ritmo cinzento, um clima chuvoso. Tudo era lúgubre. 
Hoje em dia, já formada, lembro-me apenas do momento da notícia. “Seu avô veio a óbito ne...”. Nesta manhã, provavelmente. Eu segurava os lençóis que ele pedira que buscassem de sua fazenda, para que ele se sentisse em casa. Lembro daqueles lençóis que pareciam uma bexiga que perde todo o ar, murchos. Enrolados em minhas mãos, pareciam adagas a cutucar-me o coração avisando que ele não voltaria. Os lençóis também morreram.  Lembro-me apenas dos lençóis, e de meu avó, de branco, me olhando atrás da porta da UTI, sorrindo como quem diz “Eu te amo, minha filha. Estou bem, está tudo bem.”