quinta-feira, 24 de maio de 2012

Magia

Havia uma pequena elevação no terreno à minha frente. Estávamos nós duas apenas, eu ainda na margem da floresta, ela em campo aberto, de cima daquela pequena colina, olhando para o longe. Seus cabelos longos balançavam ao vento, e mesmo que eu não entendesse aquela atitude de promiscuidade, eu não conseguia deixar de me sentir maravilhada. Fui até perto dela, buscando compreender por ela o que acontecia. O vento lá em cima realmente era forte, mas não fazia frio algum.
- Ficou maluca? O que você está tentando provar, vindo até aqui, nua?
Ela limitou-se a olhar para mim com uma expressão que parecia pena, ou compaixão. 
- Anda, responde! Foi por isso que me deixou só na barraca? Para vir aqui dar algum espetáculo?
- Meu amor, não tem mais ninguém aqui por perto!
- Quem garante?
- A natureza. Não sente minha querida, o vento nos chamando?
- O vento apenas sopra, amor, ele não fala.
- Nós também apenas sopramos, mas conseguimos entender o sopro de cada um perfeitamente.
- É porque produzimos SONS! - Estava cansada daquela discussão maluca, que particularmente achava que não levaria a nada. Coloquei à mão sobre a testa e o pescoço dela, para certificar-me de que não possuía febre e delirava. 
- Então você não consegue ouvir? Não consegue sentir a terra também chamando?
- O que é isso, ainda está bêbada? 
- Ouça, até as árvores estão falando. Elas riem de você! - E começou a rir abertamente. Apesar de preocupada pela saúde mental dela, não pude deixar de sorrir ao vê-la feliz.
- Anda, veste alguma coisa antes que se resfrie. Chega de brincar de ouvir árvores e ventos e seja lá o que mais for. Só falta me dizer que também tem visto fadas?
- Na verdade, eu encontrei uma colônia inteirinha delas! Tinha até alguns duendes, também!
Olhei para ela incrédula. Havia uma naturalidade na forma como ela pronunciava cada palavra que me deixava pasma. Ela estaria tendo algum colapso? Como se lesse meus pensamentos, ela me abraçou e me beijou. E me olhou profundamente, novamente com aquela expressão de ... ah, piedade?
- Você sabe que eu te amo, né? Independente de qualquer coisa? Eu só queria que às vezes você parasse de espantar a magia.
-Magia? É disso que essa cena se trata? Você aqui, nua, no meio de um campo aberto para me falar de magia?
- Eu estou aqui nua porque não há outro motivo para não estar. A natureza me deu estas roupas com as quais me vê, e não entendo porque deveria usar alguma outra quando me apresento à ela.
- Porque você é minha namorada e essa tal de natureza vai ter problemas se não parar de querer te ver nua.
Pelo menos agora ela ria. Levei a de volta aonde estávamos acampadas e a convenci a se vestir. Depois, falei que ia encher os cantis no riacho ali perto. Antes de poder sair, ela jogou em mim um feitiço através de palavras, um feitiço que já foi repetido milhares de vezes por milhares de pessoas. Era algo mais ou menos assim:
- Quando você me viu ali em cima, não sentiu nada de diferente?
- Além de ciúmes e preocupação com você pegar um resfriado?
- Você sabe do que estou falando.
Eu realmente sabia. Eu senti meu corpo todo se arrepiar, ela ali em cima, majestosa como uma rainha, não, mais, ela realmente me lembrava ... uma Deusa.
- Olha, deixa eu ir logo.
- Sabe, você acredita em magia e não sabe. 
- O que quer dizer?
- Quando você olha nos meus olhos, quando você me abraça, quando você me toca, o que sente?
Aí estava. O feitiço fora pronunciado. Ela pegou justamente onde eu me recusava olhar: No âmago das minhas emoções, no núcleo de tudo que sou. Eu não havia mais escolha que não me render à verdade:
- Magia. - Eu falei, sorrindo de leve. Pronunciar aquilo fez eu me sentir tão mais leve, como se eu finalmente estivesse sendo verdadeira comigo novamente. O peso de alguma mentira antiga fora magicamente removido por ela. "Magicamente", repeti mentalmente, "Já começo até a pensar como ela".
E quando cheguei ao riacho e vi meu reflexo, notei-me tão majestosa quanto minha amante. "Também sou Deusa!", pensei. E me senti tão feliz naquele momento ...
 Tomei o caminho de volta, mais alegre. E no andar, comecei a ouvir uma música diferente, vindo de algo que poderia ser o vento?, me interroguei. Depois risadas vindo das árvores, e apertei o passo. Na barraca, ela me esperava vestida.
- Vem comigo, querida. Não precisa da roupa dos homens, vem só com a que a natureza nos deu. Eu também ouvi a terra chamando.
E fomos juntas, vestidas de natureza, acompanhadas de perto por duendes e fadas, e por risos e canções.

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