sexta-feira, 5 de julho de 2013

Steve

Steve tinha 37 anos. Era casado, tinha um casal de filhos. Trabalhava em atividades burocráticas numa repartição pública. Ganhava bem. Seria uma história ordinária; não fosse o fato de Steve ser um zumbi. Cabelos loiros, mas desgastados, ressecados e com um tom apático, que sugeriria o grisalho. A pele já foi branca, mas agora era esverdeada.
Antes de prosseguir, devo advertir, não deixe seus preconceitos tomarem conta de você. Steve é "vegetariano", só come carne de gente que já morreu e se orgulha de nunca ter atacado um ser vivo sequer. Era um protetor dos bons costumes. Doava esmola aos pobres, chegava pontualmente ao trabalho, mantinha as contas em dia, levava os filhos à escola (Ambos são vivos, entretanto, gerados antes da zumbificação de Steve). Também cuidava bastante de seu casamento com Marta, sua esposa-zumbi (As vizinhas a chamavam de "Morta" pelas costas). Ela cuidava da casa, dos filhos no seu tempo fora da escola. Era a esposa perfeita.
Que vida magnífica tinha o zumbi Steve! Os vizinhos invejavam a forma como ele manejava manter sua vida perfeita. Digo vida pois Steve não gostava que o chamassem de Zumbi, ou que insinuassem que já morrera. Era um ultraje! Ele mantinha tudo na linha, e até gostava de ir ao culto confabular com outros amigos zumbis.  Toda a rotina era planejada em seus mínimos detalhes e não havia tempo ruim com essa família; exceto pelos filhos. É difícil encarar alguém com tanta vida quando se está semi-morto. Steve não compreendia essa necessidade dos filhos de passarem dos limites ("Onde foi que eu errei???", gritava exasperado uma pergunta retórica).
Mas isso nunca abalaria Steve, tinha uma reputação a zelar. A sociedade adorava Steve, mesmo com o terno usado em seu enterro, antes de ele retornar em sua semi-vida, parecer tão gasto, e francamente macabro.
Ah, comunicação com Steve era algo difícil. Depois da morte, ele só conseguia falar coisas aparentemente sem sentido, grunhidos, dilemas inexistentes, então ele recorria sempre a frases prontas. E por favor, tivesse a educação de não contestar essas frases, era tudo que ele sabia, senão ele poderia perder a cabeça e gritar palavras notadamente agressivas, apesar do vocábulo zumbificado.
Entretanto, convenhamos...quem precisa de comunicação inteligente e aberta se podemos viver com ideias e conceitos pré-prontos, só "esquentar e servir"?
E é por isso que não há mais discussão: Que vida magnífica tinha o zumbi Steve!

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